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Letras e Literatos

As expectativas goradas

O capitalismo, pomposa e ardilosamente autoproclamado “sociedade de mercado livre”, é um sistema social que, pela sua própria natureza, é gerador de incertezas, angústias e frustrações: A insegurança no trabalho, nas relações humanas, nas ruas, etc., o medo do futuro próprio e dos filhos, o medo de o dinheiro não chegar até ao fim do mês, de não conseguir pagar as prestações do carro e da casa, etc. a impossibilidade de satisfazer os desejos provocados e estimulados pela indústria do reclame publicitário e por aí fora; todas estas circunstâncias têm de afligir necessariamente a maioria dos cidadãos. O indivíduo não pode deixar de sentir-se dolorosamente insatisfeito e frustrado quando depara com a negação de uma posição social e económica que esperava obter e julgava merecer, ou quando perde o seu emprego e cai no desemprego. Parece evidente para um número crescente de pessoas que as aspirações individuais geradas ficam muito acima da capacidade do sistema para satisfazê-las. Em segundo lugar, é lógico que as elites ou semi-elites sociais, que podem ir desde os executivos empresariais à aristocracia técnica ou operária qualificada, passando simplesmente pelos trabalhadores com emprego fixo, tenham medo de perder as suas posições em momentos de crises e mudanças. 

Como superar, então, essas angústias? O mais fácil é refugiar-se no pensamento mágico, na ocultação da realidade, nas seitas e nas verdades absolutas que as religiões proporcionam. Como bem sabemos, a ciência não pode oferecer mais do que novas dúvidas e incertezas, maneira única, em todo o caso, que nos permite continuar a avançar. 

Como pode produzir pensamento verdadeiro, isto é, socialmente útil e que sirva de guia à experiência correctora, uma sociedade que dedica a maior parte das suas energias a mentir?” (pp. 85-86)

Vicente Romano. (2006). A Formação da Mentalidade Submissa. Porto: Deriva Editores

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