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Realidade dum Pesadelo

Kaufmann Mercantile 

Vi-te por detrás duma secretária, ao telefone, na minha primeira visão da tua existência sem mim. Num olhar imediato, reparei que tinhas rapado o cabelo, e usavas, agora, uns óculos quadrados, daqueles que não têm armação. Pelos vistos, deixaste de temer a reacção à calvície, aquele que era um dos teus maiores receios, por pensares que poderia deixar de gostar de ti quando ficasses careca. Daí a tua alegria quando te disse, ao acaso, naquela tasca ao sul, que o que esses homens perdiam em cabelo, ganhavam em charme.

O espaço onde estavas, não era muito grande e tinha muita gente à tua volta, essencialmente colaboradores. Numa placa cá fora dizia: Instituto de Emprego e Formação Profissional, a verde, claro está, e tu, ao que parece, eras o responsável daquela unidade e daquela equipa. Ficava na Almada velha e as instalações ficavam muito perto do Bes. Pensei imediatamente que poderíamos almoçar juntos, mas logo me dei conta que delirava.Tinhas seguido com a tua vida, e na altura em que saí dela, foi quando tudo te começou a correr bem, e a mim, tudo mal. Tu com novo emprego, nova mulher, quem sabe uma nova morada. Deixarias, por fim, o teu quarto apertadinho, com a janela de grades, onde, tantas vezes me dizias, sentir-te prisioneiro. Arranjaste uma versão melhorada de mim. Eu continuava com o emprego chato, pessoas desinteressantes, uma casa sem alma que gerava quotidianamente um relacionamento nado-morto.

No dia em que te vi, comemorava-se a festa dum santo qualquer. Provavelmente o São João.Lembro-me, vagamente, de ir caminhando ao mesmo tempo que martelava num muro. Ia com alguém. Num diálogo forçado, mas não me recordo de quem. Só dumas pernas a caminharem à minha frente.

É como me sinto, apenas um corpo, preso por fios invisíveis, que me dão a sensação, aparente, de haver vida para além de ti.

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