«A mentalidade de ricos» sem vintém faz parte dessa estrutura global e nem sequer o desmentido óbvio da realidade ou a iminência da catástrofe são capazes de a fazer recuar. Quem pode estranhar que durante dois anos um país inteiro, sabendo-o, viva acima das suas posses, se é esse – sobretudo nas cidades, como em Lisboa, em que a regra do parecer é imperativa – o padrão, tirado a milhares de exemplares, e o estilo de vida, dos particulares? Não só dos chamados «ricos» que mesmo ao seu nível estão habituados também a uma espécie de picarismo de alto coturno, mas de todas as camadas da população que não apanharão jamais um autocarro quando podem apanhar um táxi. Há dois anos que se desenha e avoluma a já agora dramatizada «crise» em que famílias inteiras, das que é costume chamar modestas, gastam num almoço, calmamente, o décimo do que um dos seus membros pode ganhar por mês. Os exemplos são inumeráveis e impressionam, sobretudo, quem os observa a partir e por comparação de comportamentos estereotipados de povos considerados, e a justo título, povos ricos. Se do comportamento particular passamos para o oficial, o panorama não se altera.”
“Labirinto da Saudade – Psicanálise Mítica do Destino Português “, 1978
Eduardo Lourenço, excerto do capítulo Somos um País de Pobres com Mentalidade de Ricos
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